domingo, 27 de novembro de 2011

Prólogo: RG, Identidade e também um CPF /Parte 1

Chuvosa era aquela manhã de agosto. Muito chuvosa. O frio era convidativo naquele domingo e como todo grande e sedutor galã, não deixara escolha para a morena deitada na cama. Debaixo de mil cobertores, tinha seus cabelos castanho-escuros e curtos bagunçados, olheiras enormes causadas pela semana de insônia, a pele clara quase inteiramente coberta por moletons, cinza-escuro e azul-marinho além das meias de algodão cor-de-rosa. Dormia quieta, dormia no centro exato da cama sem mover um músculo sequer. Sem nem mesmo respirar alto demais. Mônica era seu nome, e seu quarto fazia jus ao seu sono calmo. Cores em tons de nude e cinza, tudo muito organizado e muito limpo, muitos livros e muitas fotografias comportadas. As cortinas estavam fechadas, o quarto completamente escuro e nenhum som por toda a casa. Até então.
 No quarto ao lado tudo parecia completamente bagunçado. A cortina de retalhos coloridos era um charme e tampava bem pouco a luz mínima das cinco e quarenta e sete da manhã. Várias meias e roupas espalhadas, livros e papéis avulsos espalhados por todo o chão e móveis. O nome era Luna, o cabelo era cobre e cheio de ondas, parecia bagunçado de propósito de tão cheio de nós que estava. Sua pele extremamente branca e cheia de sardas estava inteiramente arrepiada com o vento frio batendo no corpo quase nu agora que a coberta caia no chão. Tinha seu sono sempre tão agitado e tão sem ritmo, parecia uma dança louca. O short curto de malha verde-água e a regata branca não aqueciam o bastante e logo a fizeram acordar. A porta abriu.
 Como um sexto sentido louco, a tão organizada Mônica torceu o nariz durante seu sono. Sempre tão leve e sempre tão raro. Em sua mesa podiam-se ver tantas agendas cheias de anotações, todos muito bem organizados, todos muito bem colocados simetricamente. Era jornalista, formada com louvores na chamada Universidade Federal de São Paulo. Taurina de olhos cor de jabuticaba, ela escrevia para a coluna de economia para algumas revistas muito lidas, e tinha também espaço como editora em um importante jornal, a promoção havia sido notificada no dia anterior deixando-a em êxtase. Virou-se na cama como quem sentia que algo estava por vir. 

Prólogo: RG, Identidade e também um CPF /Parte 2

 Nos corredores frios, agora Luna saia com uma espécie de roupão grosso da mesma cor do short, tinha as mangas compridas. Vestiu uma meia que agora era marrom. Uma meia que um dia havia sido branca. Andou na ponta de seus pés até chegar à cozinha do apartamento pequeno, bom, apartamento médio. Perfeitamente organizado e com tons sóbrios assim como o quarto da chamada jornalista, tons sóbrios e um ar adulto exageradamente formal, mas também com alguns detalhes cheios de cor e infantilidade vindos da outra. Luna era professora do primário, o signo era leão e sua personalidade era igual à de seus alunos. Os olhos cor de esmeralda combinavam, também, com as plantas da outra que ela sempre esquecia de regar.
 Mônica tinha uma única bagunça no quarto, a bolsa preta aberta em cima da poltrona bege escuro. Os óculos esquecidos lá dentro nem mesmo eram seus. Mineira de sangue frio, ela tinha a visão tão boa que veria uma agulha caindo de um avião. A saúde também era boa, a paciência era grande. Costumava ser fria e seca, bastante distante e demasiado trancada em si mesma. Não saia muito, não gostava de barulho. Escutava blues e amava MPB, sempre escutava também um pouco de bossa nova e às vezes ia ver as mulatas dançar um samba antigo em um barzinho à beira-mar. Gostava de acampar, ficar sozinha. Também gostava de passear sozinha pela praia durante a madrugada, especialmente as frias. Amava o frio.
 Na cozinha uma enorme fera. Ele era grande, caolho e grande. Havia a ruiva o achado na rua, havia a ruiva o levado para casa e convencido sua companheira e seu sindico a deixá-lo ficar. Era enorme de fato, um abandonado e doente, e também velho, cachorro da raça mastiff. De pé, o manso e mimado cachorro era da altura de Luna, mediana. Chamava-se Elvis e tinha o pêlo bege, Luna o havia chamado assim porque era o nome do cantor preferido de Mônica. Nem mesmo acordava quando escutava Luna entrar ali, só balançava as orelhas aninhando-se mais entre os cobertores colocados sobre si. Luna não gostava de escutar Elvis antes de conhecer a castanha, Luna gostava de ir para suas festas de rock, para suas baladas de pop. Dançava com os antigos sucessos de Madonna, cantava junto com Michael Jackson e sempre queria estar cercada de pessoas.
 Não era bem humorada e sempre estava cheia de coisas para fazer. Não tinha tempo e o pouco que tinha fazia questão de contar. Era extremamente pontual, exageradamente paranóica. Muito irônica, e como era. Gostava de café, gostava de café sem açúcar e sem adoçante, sem mel também, gostava de café puro e forte. Gostava de leite com mel, leite quente com mel. Tinha manias, era obcecada com limpeza e tinha mais medo de pessoas que qualquer outro ser que vive no mundo. Mônica vivia presa em si. 

Prólogo: RG, Identidade e também um CPF /Parte 3

 O pão de forma tinha uma fatia de queijo no seu, duas no de Mônica. Uma de presunto no da castanha, duas de presunto na sua e encheu de manteiga. As quatro fatias tinham, os dois sanduíches eram assim. Luna sabia que Mônica gostava de misto-quente, Luna gostava de agradar Mônica. Estava orgulhosa com a promoção da castanha. Agora iria esquentar o leite, detestava leite quente, gostava de bebê-lo bastante gelado e cheio de chocolate. Não suportava café e nem mesmo sabia como fazer, mas num ato impulsivo, decidiu fazer café puro como a castanha gostava. Puxou a chaleira e então tudo desabou, literal e metaforicamente.
 Barulho. Levantou num pulo, levantou furiosa. Olhou o relógio e eram sete para as seis da manhã ainda. Bufou ainda mais furiosa, o que estaria Luna fazendo em sua, sua, cozinha naquela maldita hora? Vestiu as pantufas por cima das meias e saiu resmungando maldições até a cozinha. O nariz estava torcido. Havia leite no chão, havia pó de café caído na pia, todas suas panelas no chão e o maldito cachorro andando em círculos envolta da ruiva que desesperada tentava guardar tudo.
 Rezava para que Mônica não tivesse ouvido, mas ao escutar uma tosse forte atrás de si teve a certeza de que ela estava ali. Mônica estava vermelha e não era bom sinal. Não era muito sentimental, mas quase chorou ao ver aquele rosto de pura fúria. Agora o grande cão só fazia lamber o leite no chão e a ruiva só fazia pensar numa boa desculpa para ter deixado a cozinha naquele estado, mas sem conseguir pensar em nada, apenas ficou calada suspirando fundo e olhando para os próprios pés e unhas azuis.
- Colocou bastante queijo no meu? – a voz grossa e aveludada, geralmente áspera e agressiva, mas no momento doce enquanto se abaixava pegando a chaleira logo a enchendo de água – Adoro quando deixa as bordas queimadas assim...
 E a ruiva só lhe sorria, e a ruiva só ria enquanto juntava as panelas de volta ao armário e ia até a lavanderia buscar um pano para limpar o leite derramado ao chão. Quando terminou de limpar, a taurina já tinha um café quase pronto, e já tinha posto o leite gelado e o achocolatado em seu copo de vidro outrora carregado de requeijão. E riu de novo a leonina sentando-se na mesa. A ruiva gostava quando conseguia mudar o humor da castanha, a castanha não gostava quando ela fazia isso.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Carta das autoras

Bom, primeiramente, somos duas adolescentes amigas há anos metidas a escritoras, sempre quisemos escrever juntas e até então não havíamos tido a oportunidade. Eis, que surge a idéia para um livro baseado em nossas experiências e amizade. Este é o primeiro livro que escrevemos juntas e não possuí fins lucrativos, isto é, não ganhamos nada. O blog foi feito somente para publicar nosso trabalho e repito, não estamos ganhando nada com isso. PORÉM, vocês já sabem como funciona a questão dos direitos autorais, qualquer cópia feita será resumida na frase "Semana que vem quero ver você e seu advogado no tribunal". Enfim, adoramos comentários e realmente esperamos que gostem.

Com carinho, Malaquias e Mello.